domingo, 7 de março de 2010

Marcha Mundial das Mulheres destaca os 100 anos do 8 de Março

Reproduzo entrevista  da jornalista Rogéria Araújo com Nalu Faria, coordenadora da Marcha Mundial de Mulheres, sobre os diversos aspectos que envolvem estes 100 anos do 8 de Março. 


Na próxima segunda-feira, países de todo o mundo celebrarão o centenário do 8 de Março - Dia Internacional das Mulheres. A data, que faz referência à luta de operárias mortas durante incêndio numa fábrica nos Estados Unidos, perpassa os dias atuais com reivindicações antigas e outras atuais. Procurando espaços para exercer políticas, cidadanias e direitos, organizações e entidades conseguem se fazer presente, mas a luta é árdua.

A ADITAL conversou com Nalu Faria, coordenadora da Marcha Mundial de Mulheres, sobre os diversos aspectos que envolvem estes 100 anos do 8 de Março. Para este ano, a MMM convoca para a 3ª Ação Internacional, com debates e eventos em diversos países, tendo como eixo fundamental aprofundar as discussões em torno do direito das mulheres nas mais variadas esferas.

A atividade, na cidade brasileira de São Paulo, acontece na segunda (8), quando 3 mil mulheres de todas as regiões do país, farão uma caminhada percorrendo dez municípios do estado.

Mais informações sobre a programação em: www.sof.org.br/acao2010

Adital - Você acredita que há mais sensibilização para as questões de gênero?

Nalu Faria - Creio que essa sensibilização vem crescendo por vários motivos. Na América Latina e Caribe tivemos uma fortalecimento da visão crítica ao neoliberalismo e mesmo de uma visão anti-capitalista e isso melhora as condições para a luta feminista. Avaliamos que toda vez que há reforço do capitalismo reforça o machismo.

A existencia da MMM fortaleceu um campo popular do movimento de mulheres e uma de nossas estratégias de organização é construir alianças com os movimentos sociais e isso amplia nosso espaço de intervenção e construção de uma agenda política. Ao mesmo tempo outros setores do movimento de mulheres também estão mais ativos nessa década.

Adital - De muitas demandas ainda pendentes na América Latina, a criminalização do aborto segue como pauta de discussão. Houve algum avanço?

Nalu Faria - No tema do aborto tivemos mais dificuldades para contrapor a onda conservadora, pois as contradições que temos com os setores progressitas, de esquerda são enomes. Além de continuar muito difícil para grande parte das mulheres se posiconarem. E esse foi um dos temas que teve mais retrocesso a partir da segunda metade dos anos 90.

Mas acho que nos últimos anos cresceu a ofensiva por parte do movimento de mulheres inclusive com a constituição de articulações mais amplas. No Brasil criamos uma Frente Nacional pela Descriminalização e Legalização do Aborto. Mas é importante lembrar que foi em um momento de forte criminalização das mulheres, com o indiciamento de mulheres a partir de fichas de atendimento em uma clínica.

Um momento que ficou evidente que estávamos recuperando espaço foi no Fórum Social Mundial, em Belém [janeiro de 2009, no estado brasileiro do Pará]. Conseguimos ter boas atividades, mobilização, visibilidade e percebemos a sensibilização de outros setores. Eu ouvi, por exemplo, vários homens nos debates gerais falando sobre o tema do aborto.

Adital - Na medida em quem fica evidente que o modelo neoliberal não é o ideal, você acredita que as mulheres têm conseguindo pôr em prática suas propostas políticas e econômicas? De que forma?

Nalu Faria - Acho que temos alguns avanços na economia solidária, na construção de uma visão contra-hegemônica a partir das contribuições da economia feminista. E, principalmente, temos uma grande contribuição das camponesas, quilombolas e indigenas (da América Latina em geral), no tema da soberania alimentar e da economia camponesa e das práticas economicas tradicionais que resistem ao mercado capitalista.

É interessante lembrar que até poucos anos essas experiências eram desvalorizadas e classificadas como atrasadas e remanescentes, que seriam absorvidas pelo mercado. Hoje há todo um debate que na verdade é de construção de novos paradigmas. E em todos esses processos há uma forte presença e contribuição das mulheres.

Adital - Outro ponto importante acentuado com a crise financeira, mas que já vem se formando há algum tempo, é a feminização do processo migratório, sobretudo com mulheres latinas. Qual sua opinião sobre as incidências política nessa área?

Nalu Faria - A migração na América Latina e Caribe e em muitos países se tornou uma importante fonte de entrada de divisas. E os dados mostram que as mulheres embora ganhem menos enviam valores maiores e mais constantes.

Me parece que essa realidade só vai modificar se houver mudanças significativas nas políticas econômicas e na questão do trabalho. Mas também tem que se intensificar o combate ao tráfico e a indústria da migração. Tem estudos que mostram que a maioria dos pobres que migram fizeram através de agências e dessa modalidade do endividamento.

Adital - Há muita expectativa para esta 3ª Ação Internacional, proposta pela Marcha Mundial das Mulheres. Como tem sido a receptividade do ato?

Nalu Faria - Tem sido muito boa. No Brasil teremos presença de vários setores que não participam do dia a dia da Marcha Mundial das Mulheres, mas que perceberam a importância dessa grande mobilização e estarão marchando.Também outras organizações como os sindicatos estão nos apoiando, inclusive materialmente.

Adital - Nesse próximo 8 de março, que celebra os 100 anos da declaração do Dia Internacional da Mulher, quais os valores que precisam ser melhor assimilados pelas populações?

Nalu Faria - Ainda temos que conquistar uma visão do conjunto do direito à autonomia e auto-determinação das mulheres, ou seja que sejamos vistas como sujeitos e não como inferiores ou em função da familia, maternidade e filhos. E isso tem que se expressar em mudanças concretas como, por exemplo, a superação da divisão sexual do trabalho que passa por mudanças no trabalho remunerado e na casa. Nós continuamos como quase as únicas a trabalhar na casa.

Passa pela superação das desigualdades salarias, profissionais e na produção rural. Passa pela construção de novas relações e novas organizações familares e um novo modelo de sexualidade. Além disso, passa por superar as enormes deigualdades nos espaços de poder e decisão.

Se conseguirmos tudo isso, creio que poderemos ver desaparecer o machismo, a violência contra as mulheres e poderemos estar mais perto da iguldade. Mas nós sabemos que isso só será possível no bojo de um processo geral de tranformação e de construção de novas relações sociais. Por isso que na Marcha falamos em mudar a vida das mulheres, para mudar o mundo para mudar a vida das mulheres.

Rogéria Araújo é Jornalista da Adital

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