terça-feira, 17 de novembro de 2009

EI, ZUMBI ME FAZ REECONTRAR COM SUA NEGRITUDE EM MIM!

Por Mário Moura (1)

A população negra em nosso país tem como referência principal A LUTA DO QUILOMBO DOS PALMARES pela construção de uma sociedade alicerçada na ética, na justiça, na liberdade, uma sociedade mais humana. Desde o início de nossa história os negros são tratados com inferioridade, sem direitos e relegados a uma vida indigna e desumana. Ainda hoje, os povos negros têm dificuldade em mostrar o seu valor, de serem sujeitos históricos de suas realidades na arte, na cultura, na mídia, na política... na sociedade. Apesar da discriminação, da exclusão – indiferença – existem expressões fortes da cultura afro, que resistem e persistem, no seio das manifestações sociais do Brasil.


SOU NEGRO, SOU LINDO, SOU CIDADÃO

“Ei, Zumbi, Zumbi Ganga meu rei, você não morreu, você está em mim!” Este canto de esperança é um grito, um clamor a Zumbi dos Palmares, herói não apenas dos negros, mas de todo o povo brasileiro. E por quê? A LIBERDADE é o grito do Quilombo dos Palmares, é a autenticidade da luta negra, dos negros escravos da senzala... IGUALDADE é o brado forte dos tambores, atabaques e batuques, cantada e esperançada no sangue derramado, na ternura e resistência pela humanidade negra.

Zumbi e todos que se inquietaram e se inquietam; não se calaram, não se calam; não se omitiram, não se omitem; que acreditaram e acreditam; que doaram e doam suas vidas, na luta pela liberdade e igualdade são os atores que fazem a gente, o Brasil a se reencontrar com a nossa identidade negra.

O Brasil ainda está longe de assegurar direitos iguais a todos os seus cidadãos. Não há a chamada democracia racial que segundo Gilberto Freyre, a miscigenação entre brancos, negros e índios fora a maneira encontrada pelo país para viabilizar a convivência pacífica e harmoniosa entre as diferentes raças. O mito da democracia racial esconde nos “porões da história”, os processos de exclusão e de marginalização dos negros na sociedade brasileira.

Podemos destacar a sub-representação da população negra no poder do Estado nas suas várias esferas e as desigualdades sócio-raciais. A dimensão política da desigualdade racial está estreitamente ligada e exclusão da população negra dos espaços de poder e consequentemente das decisões sobre o destino dos esforços e bens coletivos.

Com relação às posições de poder no âmbito da justiça, por exemplo, que entre o grupo formado por juízes e desembargadores federais, aproximadamente 7% se declararam pretos ou pardos, sendo que 14% dos bacharelados se declararam negros (2). Na esfera estatal “é visível que os negros não conseguem fazer prevalecer suas necessidades em muitas políticas públicas, pois estão sub-representados em todas as posições de poder ” (3).

Na economia e no mercado de trabalho é evidente a exclusão dos negros. Segundo o Pnad (4) de 2003, em torno de 46% da População Economicamente Ativa (PEA) e 48% dos que atuam por conta própria eram profissionais negros, porém emergem desigualdades na representação proporcional com relação a atividade produtiva, pois os negros estão “sobre-representados nos nichos de mercado menos valorizados, como construção civil, comércio ambulante e setor de serviços, que envolvem trabalhos manuais e pesados. No comércio não-ambulante entre as profissões liberais e no ramo de serviços auxiliares de atividades econômicas, que agregam trabalhos e ocupações mais valorizados pela sociedade, estão sub-representados, independente da região ” (5).

No que tange a presença das pessoas negras nos cargos de direção e gerência das 500 maiores empresas do país, em 2003 (6) no nível mais elevado das hierarquias (executivo) dessas companhias apenas 1,8% dos funcionários era negro. Nos cargos de gerência, chefia e todo quadro funcional 8,8%; 13,5% e 23,4% respectivamente.

Nesse sentido, quanto mais se avança rumo ao topo das hierarquias de poder, mais a sociedade brasileira se torna branca, este em todos os espaços decisivos para a formação e manutenção de poder. Portanto, esta realidade se configura em uma situação de pobreza política desse grupo, o que contribui na persistente desigualdade racial no desenvolvimento humano brasileiro.

Na sociedade brasileira, a ausência de políticas públicas e sociais direcionadas aos descendentes de escravos e escravas contribuiu para deixá-los na pobreza. “Pobreza não apenas de renda, mas pobreza humana (...) a pobreza humana não enfoca o que as pessoas possuem ou deixam de possuir, mas o que elas podem ou não fazer. É a privação das capacidades mais essenciais da vida, incluindo desfrutar de uma vida longa e saudável, ter acesso ao conhecimento, ter recursos econômicos adequados para uma vida digna e poder participar da vida comunitária, defendendo seus interesses ” (7).

A diferença entre o desenvolvimento humano da população branca e o da população negra do Brasil está ligada, sobretudo à renda: “Embora os negros representem 44,7% da população do país, sua participação chega a 70% entre os 10% mais pobres e seus rendimentos, somados, correspondem a 26% do total apropriado pelas famílias brasileiras. Em 2003, os homens brancos ganhavam em média 113% mais que os homens negros, e as mulheres brancas, 84% mais que as mulheres negras ” (8).

Em 1888, os negros foram libertados da escravidão. Libertados? Deixaram de ser escravos dos senhores de engenho, mas se tornaram filhos rebentos da nação sem nenhuma política social, indenizações que permitisse o mínimo de integração, direitos sociais: foram jogados à rua, nas favelas, nos bolsões de miséria, sem casa, saúde, trabalho, educação... os negros são maioria nos presídios e nas favelas, são a maioria dos analfabetos e recebem os menores salários. O Brasil tem um legado: resolver o seu passado! Daí a importância do Movimento Negro no Brasil.

O debate sobre a temática racial no Brasil deve ser realizado amplamente e apesar do abismo existente entre negros e brancos temos conquistas, principalmente no campo das políticas de identidade e de reconhecimento. O estabelecimento do 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra e o reconhecimento de Zumbi dos Palmares como herói nacional são um exemplo. Há também a Lei nº 10.639/2003, que inclui, no currículo escolar, o ensino da história afro-brasileira, bem como a valorização da estética e da cultura negra. Ampliou-se o diálogo com o Estado na luta por direitos, incluindo na agenda nacional o reconhecimento e o combate as profundas desigualdades sociais entre negros e brancos, com a adoção das políticas de ações afirmativas.

Os desafios são grandes: aglomerar um maior número de ativistas que provenham das classes populares e que se reconheçam como negros e, participação nos espaços de decisão. É o discurso da democracia racial exercendo seu papel desmobilizador. Outro ponto a ser enfrentado é a questão das cotas nas universidades, e consequentemente a construção de uma agenda que privilegie a luta a favor dos direitos humanos e contra a pobreza, a violência e o racismo no Brasil.

Zumbi, liderando o Quilombo dos Palmares, foi um herói negro das Américas. Palmares é a chama, é o sonho, é a esperança apagada na História dos livros, mas arde em nossos peitos, corações, sentimentos, ideais e almas no nosso caminhar. O 20 de novembro é o nosso símbolo de liberdade, o sonho que deve ser buscado até que o Brasil reconheça de fato todos os brasileiros.

“Ei, Zumbi, nessa terra fértil, outros como você também tombaram ao chão (...) e muitos tombarão, enquanto houver luta pela libertação”.

Notas:

(1) Especialista em Educação Especial, Pedagogo, Sócio-membro da Ong Raízes em Paulo Afonso-Bahia. Coordenador Pedagógico pela Rede Municipal de Ensino em Santa Brígida-Bahia. Endereco eletrônico: mario_pedagogia@hotmail.com.

(2) IBGE – Censo Demográfico 2000.
(3) Relatório de Desenvolvimento Humano – Brasil 2005: racismo, pobreza e violência. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

(4) Fonte: Instituto Ethos.

(5) Relatório de Desenvolvimento Humano – Brasil 2005: racismo, pobreza e violência. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

(6) Fonte: Instituto Ethos.

(7) Relatório de Desenvolvimento Humano – Brasil 2005: racismo, pobreza e violência. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

(8) Ibdem.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Relatório de Desenvolvimento Humano – Brasil 2005: racismo, pobreza e violência. PNUD: Brasília-DF, 2005.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. 50 ed. Global: São Paulo, 2006.

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