sexta-feira, 30 de outubro de 2009

OS INDIFERENTES

Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel acredito que "viver significa tomar partido". Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.


A indiferença é o peso morto da história. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta heróica.

A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos. O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação poderá derrubar. A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo. Há fatos que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com isso. Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície; o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, de que são todos vítimas, o que quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e quem foi indiferente. Estes então zangam-se, queriam eximir-se às conseqüências, quereriam que se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis. Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu? Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam (com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam.

A maior parte deles, porém, perante fatos consumados prefere falar de insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim a falta de qualquer responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo, são todavia igualmente urgentes. Mas essas soluções são belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.

Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado, e que pretenda usufruir do pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não conseguiu o seu intento.

Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.

11 de Fevereiro de 1917

Antonio Gramsci - político, cientista político, comunista e antifascista italiano.

FRACASSOMANÍACOS

Reproduzo artigo de Emir Sader publicado no seu Blog Carta Maior

A invenção se deve às ironias com que FHC tentava desqualificar o debate. Conhecedor que era, se dedicou a essa prática, alimentada pelo despeito, o rancor e a inveja de ver seu sucessor se dar muito melhor do que ele. E os tucanos se tornaram os arautos da fracassomania, porque o governo Lula não poderia dar certo. Senão, seria a prova da incompetência, dos que se julgavam o mais competentes.

Lula fracassaria porque não contaria com a expertise (expressão bem tucana) de gente como Pedro Malan, Celso Lafer, Paulo Renato, José Serra, os irmãos Mendonça de Barros, entre tantos outros tucanos. O governo Lula não poderia dar certo, senão a pessoa mais qualificada para dirigir o Brasil – na ótica tucana -, FHC se mostraria muito menos capaz que um operário nordestino.

Por isso o governo Lula teria que fracassar economicamente, com a inflação descontrolada, a fuga de capitais estrangeiros, o “risco Brasil” despencando, a estagnação herdada de FHC prolongada e aprofundada, o descontentamento social se alastrando, as divergências internas ao PT dividindo profundamente ao partido, o governo se isolando social e politicamente no plano interno, além do plano internacional.

A imprensa se encarregou de propagar o fracasso do governo Lula. Ricardo Noblat, apresentando o livro de uma jornalista global, afirmava expressamente, de forma coerente com o livreco de ocasião, que “o governo Lula acabou” (sic). A crise de 2005 do governo era seu funeral, os urubus da mídia privada salivavam na expectativa de voltarem a eleger um dos seus para se reapropriarem do Estado brasileiro.

FHC gritava, no ultimo comício do candidato do seu partido, que havia relegado seu governo, com a camisa para fora da calça, suado, desesperado, “Lula, você morreu”, refletindo seus desejos, em contraposição com a realidade, que viu Lula se reeleger, sob o cadáver político e moral de FHC.

Um jornalista da empresa da Avenida Barão de Limeira relatava o desespero do seu patrão, golpeando a mesa, enquanto dava voltas em torno dela, dizendo: “Onde foi que nós erramos, onde foi que nós erramos?”, depois de acreditar que a gigantesca operação de mídia montada a partir de uma entrevista a um escroque que o jornal tinha feito, tinha derrubado ao governo Lula.

Ter que conviver com o sucesso popular, econômico, social e internacional do governo Lula é insuportável para os fracassomaníacos. Usam todo o tempo de rádio, televisão e internet, todo o espaço de jornal para atacar o governo, e só conseguem 5% de rejeição ao governo, com 80% de apoio. Um resultado penoso, qualquer gerente eficiente mandaria a todos os empregados das empresas midiáticas embora, por baixíssima produtividade.

Como disse, desesperadamente, FHC a Aécio, tentando culpá-lo por uma nova derrota no ano que vem: “Se perdermos, são 16 anos fora do governo...” Terminaria definitivamente uma geração de políticos direitistas, entre eles Tasso, FHC, Serra - os queridinhos do grande empresariado e da mídia mercantil.

Se Evo Morales dá certo, quando o FHC de lá – o branco, que fala castelhano com sotaque inglês -, Sanchez de Losada, fracassou, é derrota das elites brancas, da mesma forma que se Lula dá certo, é derrota das elites brancas paulistanas dos Jardins e da empresa elitista e mercantil da Avenida Barão de Limeira.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

MENSAGEM AOS EDUCADORES

Mário Moura - Educador e Poeta.

“Não é o discurso que diz se a prática é válida. É a prática que diz se o discurso é válido ou não é”.
(Paulo Freire)
Companheiro (a), Professor (a)/Educador (a),


Todos os anos, no mês de outubro, precisamente dia 15 comemora-se o dia do professor. E falar nesse dia é também lembrar as grandes responsabilidades que este ofício exige. Antes eu queria ater-me a duas questões: o que é ser professor, o que é ser educador? São as mesmas coisas ou diferentes?

A origem da palavra professor, do latim: pro= “diante de” e fari= “falar”, significa basicamente, “aquele que fala diante dos outros”. Ao analisarmos sua etiologia o professor é aquele que simplesmente fala, repassa, instrui... Dá aula, conhecimento, limitando-se ao velho quadro negro, as formas tradicionais de ensino, fechado em si, sendo o centro de tudo e de todos... Fala por si e pelos outros, sem escutar, sentir, viver o que as pessoas querem, pensam, sonham; suas alegrias, tristezas, ilusões, esperanças.

Já educação vem do mesmo latim e quer dizer: e= “de dentro” e ducere= “trazer”, “tirar”. Este para mim é mais desafiador. O educador é aquele que consegue fazer vir à tona todas as potencialidades latentes no próprio ser humano. Quem educa jamais dá as respostas, faz da pergunta uma eterna curiosa na busca pelo saber. Quem educa faz com que seus educandos tenham o prazer de buscarem as suas respostas, a criar, a imaginar, a refletir; a dialogarem entre si. E assim o educador conduz os sujeitos a uma compreensão maior dos problemas sem imposição ou autoritarismo, a partir deles mesmos, na verdade, tirando de dentro deles algo já existente. O educador não instrui, pelo contrário, forma pessoas livres e reflexivas. O educador é como um parteiro: tira o humano do humano. Assim deve ser o educador: aquele que tira de dentro das pessoas o que existe de humano.

Neste sentido a Pedagogia do educador tem por objetivo construir pessoas cidadãs, críticas, questionadoras e não simples reprodutoras do conhecimento, formando indivíduos sujeitados frente aos fatos sociais e à problemática da existência humana. O educador é, pois, fundamentalmente, aquele que reflete, cria, pesquisa, experimenta, por um lado e, por outro, aquele que contribui para fazer os sujeitos pensarem, refletirem, criarem, pesquisarem, buscarem as raízes de por que são o que são e a razão de por que as coisas que os rodeiam são construídas de um modo e não de outro, problematizando a realidade e não a concebendo como um dado natural. Assim sendo, o professor é o profissional que trabalha, ganha o seu salário e o educador o que tem cuidado, compromisso e responsabilidade com a educação e as pessoas.

Não há educação sem amor. O amor é vida e exige constante luta contra tudo que produz e significa a morte. Em diferentes lugares há homens e mulheres que mesmo diante dos encantos e desencantos, perspectivas e limites, avanços e ranços dedicam suas vidas e seu tempo na humanização da sociedade e das pessoas. Fazem da esperança e do amor caminhos para promoção da Vida, da Dignidade, do Novo, do belo, do diferente. Fazem com a sua entrega e seu cuidado o Mistério da Educação.

Meus queridos (as) acreditem em si mesmos! Eu acredito em vocês e principalmente na humanidade que te fazem educadores (as) dos sonhos, da luta, do compromisso e da alegria, de crianças e jovens, mulheres, homens e idosos deste meu sertão. Parabéns!!!

domingo, 11 de outubro de 2009

NUMA MESA DE BAR

Mário Moura - Educador e Poeta.

Estou eu olhando às estrelas
Olhando a mim mesmo
Olhando as pessoas que se espelham.

Tomo a minha cerveja,
Falo de pessoas, banalidades, seriedades
Paquero, olho para alguém
Uma jovem a me olhar.

Sou mais um na multidão
Inquieto no porão d’alma, coração
Numa mesa de bar, a contemplar
O que a vida tem a me dar.

Com os meus amigos converso
Sobre a política, a história
Refletindo, escutando desejos
Carregados de tristezas e alegrias.

Vejo a juventude fazendo sua felicidade
Se encontrando, se beijando,
Se namorando, se abraçando,
Se entristecendo, se procurando... se drogando.

Tenho lido muitos livros
Escutado músicas, conversado com pessoas
Buscando as respostas
Sobre a vida, sobre mim e você.

Nos sonhos, as esperanças
Do cidadão, educador da vida.
Sou um poeta popular, humilde nas palavras
E nos sentimentos que surgem do meu coração.
Dos sentimentos da alma
Da poesia, vida, arte... inspiração!

Numa mesa de bar
Há pessoas cinzas normais,
Sentadas em suas vidas banais
Vivendo apenas de aparências.

Por que não olham às estrelas como eu?
Por que não olham a si mesmas como eu?
Elas carregam um fardo pesado – a anestesia
Vivem no tempo o que as amarelou – a hipocrisia.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

MERCEDES SOSA: A MORTE DE UM ÍCONE


A Argentina em particular e a América Latina em geral despedem-se hoje da legendária cantora que se transforma em mito. Mercedes Sosa, 'A Negra', será cremada depois de um velório marcado pela música e pelas lágrimas de fãs e do céu.

Milhares de pessoas despedem-se do ícone da cultura argentina e latino-americana num velório popular de 24 horas no Congresso argentino. Uma fila constante de cerca de 300 metros renovada a cada minuto por mais e mais gente que avança lentamente com o pranto em forma de nó na garganta. Muitos levam flores e cartas. Jogam pétalas pelo chão como se santificassem o caminho. Não têm pressa. No fundo, ninguém quer esta despedida.

Depois das primeiras seis horas de velório, já no final da tarde de domingo, as lágrimas silenciosas deram lugar às homenagens. Músicos famosos e amigos em volta do corpo resolveram cantar as principais canções interpretadas pela "Negra", como era carinhosamente chamada.

A legendária cantora de 74 anos (nasceu em 9 de Julho de 1935, dia da Independência argentina) manteve sempre uma honestidade intelectual , um compromisso artístico, uma humildade e uma luta pela liberdade a toda prova.

A sua voz ecoou pelos cenários mais importantes do mundo e recebeu inúmeros prémios tanto como artista quanto como pela luta social. Entre tantos, o prémio da Unesco pela defesa dos Direitos da Mulher e diversos Grammy Latinos.

FONTE: http://aeiou.expresso.pt/mercedes-sosa-a-morte-do-icone=f539638

domingo, 20 de setembro de 2009

PALAVRAS DE SABEDORIA

SÓ O SER HUMANO PODE

"Só nós humanos podemos sentar à mesa com o amigo frustado, colocar-lhe a mão no ombro, tomar com ele um copo de vinho e trazer-lhe consoloção e esperança.
Nenhuma máquina, nenhum computador (nem o mais inteligente) podem fazer isso. Eles não estendem o braço e nos tocam carinhosamente nem choram com os nossos infortúnios.
O ser humano, sim, porque ele tem um coração que sente a chaga do coração do outro e sabe compadecer-se dele. Construímos o mundo a partir de laços afetivos. Esses laços tornam as pessoas e as situações preciosas, portadoras de valor e infinitamente adoráveis."

Leonardo Boff - Teológo

sábado, 12 de setembro de 2009

1822: a Independência escravizada

Mário Maestri*

Em janeiro de 1821, no Rio Grande do Sul, Auguste de Saint-Hilaire anotava em seu diário que o Brasil perigava ser "perdido pela casa de Bragança" e que "suas províncias" podiam explodir em nações independentes, "como as colônias espanholas", considerando-se a tamanha diferença entre elas. Escrevia enfaticamente o arguto naturalista: "Sem falar do Pará e de Pernambuco, a capitania de Minas e do Rio Grande, já menos distanciadas, diferem mais entre si que a França da Inglaterra".

Desde sua origem, a América portuguesa foi mosaico de regiões semi-autônomas, de frente para a Europa e África, de costas umas para as outras. As diversas colônias exportavam seus produtos e importavam os manufaturados e cativos que consumiam pelos portos da costa. Eram muito frágeis os contatos entre as capitanias e, mais tarde, as províncias, inexistindo o que hoje definimos como mercado nacional.

Nas diversas regiões, os grandes proprietários controlavam o poder local e viviam em associação subordinada às classes dominantes portuguesas metropolitanas. Os proprietários luso-brasileiros sentiam-se membros do império lusitano, possuíam laços de identidade regional e desconheciam sentimentos ‘nacionais’, impensáveis devido à inexistência de entidade nacional .

Quando do projeto recolonizador da Revolução do Porto, em 1820, as classes dominantes provinciais mobilizaram-se por independência restrita aos limites das regiões que controlavam. O Brasil seguia sendo entidade sobretudo administrativa, sem laços econômicos e sociais objetivos e subjetivos. A construção do Estado-nação brasileiro esboçou-se no II Império e foi sobretudo produto do ciclo nacional-industrialista dos anos 1930.

Nas províncias atuavam as mesmas forças centrífugas que explodiram a América espanhola em constelação de repúblicas independentes, mesmo tendo, ao menos as classes exploradoras, o espanhol como a mesma língua; o catolicismo como a mesma religião; a Espanha como a mesma metrópole. Porém, todas as províncias do Brasil emergiram da Independência coeridas por monarquia centralizadora e autoritária.

Quando da crise de 1820, as classes dominantes provinciais desejavam pôr fim ao governo absolutista lusitano, nacionalizar o comércio português, resistir às pressões abolicionistas do tráfico inglesas e imperar plenamente sobre suas províncias. No relativo à ordem política, dividiam-se em monarquistas e republicanos; quanto à conformação nacional, eram federalistas ou separatistas.

No Norte, Nordeste, Centro-Sul e Sul, eram fortíssimas as tendências republicanas e independentistas. Como assinalado, tudo levava a crer que o Reino do Brasil explodiria em repúblicas, como as possessões espanholas, que sequer mantiveram os laços dos antigos vice-reinados – Nova Espanha; Nova Granada; Peru; Prata.

Um grande problema angustiava os grandes proprietários de todo o Brasil. Realizar a independência e não comprometer a escravidão, base da produção e da sociedade de todas as províncias. Fortes choques militares entre as classes proprietárias provinciais e as tropas metropolitanas, na luta pela independência, e entre as primeiras, na luta pelas novas fronteiras, colocariam em perigo a submissão dos cativos e a manutenção do tráfico.

As classes proprietárias do Brasil sabiam que a guerra levaria ao alistamento e à fuga de cativos, como ocorrera durante a guerra anti-holandesa, em 1630-1654, e em diversas outras ocasiões. Tinham em mente o exemplo aterrorizador da grande sublevação dos cativos, vitoriosa no Haiti, em 1804. Os Estados luso-brasileiros que abolissem a escravidão, por não dependerem da instituição, acolheriam cativos fujões. As pequenas nações negreiras vergariam-se ao abolicionismo britânico do tráfico.

O comerciante inglês John Armitage, que chegou ao Brasil com 21 anos em 1828, registrou em sua perspicaz História do Brasil os temores das classes proprietáriaslocais: "Quaisquer tentativas prematuras para o estabelecimento da república teriam sido seguidas de uma guerra sanguinolenta e duradoura, na qual a parte escrava da população teria pegado em armas, e a desordem e a destruição teriam assolado a mais bela porção da América Meridional."

O Estado monárquico, autoritário e centralizador brasileiro foi partejado e embalado pelos interesses negreiros. A Independência deu-se sob a batuta conservadora dos grandes escravistas. Os ideários republicano, separatista e federalista provinciais foram reprimidos.

A independência do Brasil foi a mais conservadora das Américas. Os proprietários brasileiros romperam com o Estado e o absolutismo português e entronizavam o autoritário herdeiro do reino lusitano. Cortavam as amarras com a ex-metrópole e transigiram com os seus interesses mercantis e de sua casa real. Mantiveram-se unidos para garantir, por mais seis décadas, a exploração escravista.

Mário Maestri é historiador, professor do curso e do programa de pós-graduação em História da UPF.


E-mail: maestr@via-rs.net. Este endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email.


Publicado no
http://www.correiocidadania.com.br/content/view/3727/9/

As ações criminosas da revista Veja

Altamiro Borges*

Os editores da revista Veja são de um cinismo depravado. Na edição desta semana, este panfleto da direita colonizada estampou mais uma capa com ataques ao MST. A manchete provocadora: Abrimos o cofre do M$T. A foto-montagem: um boné da organização com dólares e reais. A chamada: "Como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra desvia dinheiro público e verbas estrangeiras para cometer seus crimes".

Na "reporcagem" interna, nenhuma entrevista com lideranças dos sem-terra e nenhuma visita às escolas e assentamentos produtivos do MST. Como arapongas ilegais, ela se jacta de que "teve acesso às movimentações bancárias de quatro entidades ligadas aos sem-terra. Elas revelam como o governo e organizações internacionais acabam financiando as atividades criminosas do movimento".

As quatro entidades – Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca), Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária (Concrab), Centro de Formação e Pesquisas Contestado (Cepatec) e Instituto Técnico de Estudos Agrários e Cooperativismo (Itac) – "receberam 43 milhões de reais em convênios com o governo entre 2003 e 2007", resmunga a revista da Editora Abril, que sempre saqueou os cofres públicos.

Uma "reporcagem" interesseira

O novo ataque ao MST não é gratuito. Ele ocorre poucos dias após a jornada nacional de luta por mais verbas para a reforma agrária e pela atualização dos índices de produtividade, usados como parâmetros legais para a desapropriação de terras. Diante da sinalização do governo Lula de que atenderia as justas reivindicações, a revista Veja resolveu sair em defesa dos latifundiários e dos barões do agronegócio. Não há nenhuma investigação jornalística sobre as premiadas iniciativas educativas e sociais do MST. Apenas opiniões preconceituosas para criminalizar o movimento. Seu objetivo é asfixiar financeiramente o MST, fragilizando a heróica luta pela reforma agrária.

Daí a "reporcagem" esbravejar, num tom fascistóide, que "o MST é movido por dinheiro, muito dinheiro, captado basicamente dos cofres públicos e junto às entidades internacionais. Ao ocupar ministérios, invadir fazendas, patrocinar um confronto com a polícia, o MST o faz com dinheiro de impostos pagos pelos brasileiros e com o auxílio de estrangeiros que não deveriam se imiscuir em assuntos do país".

A matéria também serve de palanque para o tucano José Serra. "Aliados históricos do PT, os sem-terra encontraram no governo Lula uma fonte inesgotável de recursos para subsidiar suas atividades". E ainda estimula intrigas. "O governo Lula agora experimenta o gosto da chantagem de uma organização bandida que cresceu sob seus auspícios".

Resposta corajosa do MST

O MST já respondeu com altivez às provocações. "Não há nenhuma novidade na postura política e ideológica desses veículos, que fazem parte da classe dominante e defendem os interesses do capital financeiro, dos bancos, do agronegócio e do latifúndio, virando de costas para os problemas estruturais da sociedade e para as dificuldades do povo brasileiro.

Desesperados, tentam requentar velhas teses de que o movimento vive à custa de dinheiro público. Aliás, esses ataques vêm justamente de empresas que vivem de propaganda e de recursos públicos ou que são suspeitas de benefícios em licitações do governo de São Paulo, como a Editora Abril".

Quanto aos ataques, a nota é elucidativa. "Em relação às entidades que atuam nos assentamentos de reforma agrária, que são centenas trabalhando em todo o país, defendemos a legitimidade dos convênios com os governos federal e estaduais e acreditamos na lisura do trabalho realizado. Essas entidades estão devidamente habilitadas nos órgãos públicos, são fiscalizadas e, inclusive, sofrem perseguições políticas do TCU (Tribunal de Contas da União), controlado atualmente por filiados do PSDB e DEM. Elas desenvolvem projetos de assistência técnica, alfabetização de adultos, capacitação, educação e saúde em assentamentos rurais, que são um direito dos assentados e um dever do Estado, de acordo com a Constituição".

Um negócio de 719 milhões de reais

Em mais este ataque colérico, a revista Veja prova que é imoral e cínica. Tudo que publica serve a objetivos políticos precisos, mas embalados na manipulação jornalística.

De fato, muita coisa precisa ser investigada no país. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a mídia tornou-se uma urgência. No caso da Editora Abril, que condena o "auxílio de estrangeiros que se imiscuem em assuntos do país", seria útil averiguar sua própria origem, quando o empresário estadunidense Victor Civita se mudou para São Paulo, em 1949, trazendo na bagagem um sinistro acordo com a Disney. Não é para menos que muitos o acusaram de "agente do império" e de servidor da CIA.

Quanto aos recursos públicos, seria necessário apurar as compras milionárias do governo tucano de José Serra das publicações da Abril. O Ministério Público Federal inclusive já abriu processo para investigar o caso suspeito. No embalo, poderia averiguar as recentes denúncias do jornalista Carlos Lopes, editor do jornal Hora do Povo. No artigo intitulado O assalto do grupo Abril aos cofres públicos, na venda de livros do MEC, com base em dados do Portal da Transparência, ele mostra que "nos últimos cinco anos o Ministério da Educação repassou ao grupo Abril a quantia de R$ 719.630.139,55 para compra de livros didáticos. Foi o maior repasse de recursos públicos destinados a livros didáticos dentre todos os grupos editoriais do país".

A urgência da CPI da mídia

"Nenhum outro recebeu, nesse período, tanto dinheiro do MEC. Desde 2004, o grupo da Veja ficou com mais de um quinto dos recursos (22,45%) do MEC para compra de livros didáticos... O espantoso é que até 2004 o grupo Civita não atuava no setor de livros didáticos. Neste ano, o grupo adquiriu duas editoras – a Ática e a Scipione. Por que essa súbita decisão de passar a explorar os cofres públicos com uma inundação de livros didáticos? Evidentemente, porque existe muito dinheiro nos cofres públicos... O MEC, infelizmente, está adotando uma política de fornecer dinheiro público para que o Civita sustente o seu panfleto – a revista Veja".

"Exatamente essa malta, cínica e pendurada no dinheiro público, acusa o MST de ter recebido, de 2003 a 2007, R$ 47 milhões em alguns convênios com o governo federal... Já o Civita recebeu só do MEC, entre 2004 e 2008, R$ 719 milhões, isto é, 17 vezes mais do que o MST – e não foi para trabalhar, mas para empurrar livros didáticos duvidosos, e a preço de ouro", critica Carlos Lopes. Como se observa, uma CPI da mídia é urgente.

*Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB.

Texto publicado originalmente no Portal Vermelho.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

AI QUE SAUDADE*

à Marta Carregosa

Aí, que saudade danada de você
de seu olhar de pantera selvagem
agateado,
de seus cabelos flor de mandacaru
molhados.

Ai, que saudade virada
dos seus seios,
montes ao luar
que no brilho da luz
fazem a viola cantar.

Ai, que saudade dos seus suspiros,
sopros de prazer
que no gozo evidenciado
fazem o amor demais valer.

Aí, que saudade desenhada
dos encontros
a nos parear,
de nós dois juntos
à beleza da vida amar.

Mário Moura - Educador e Poeta.

*Publicada em:
- Os mais belos Poemas de Amor. Rio de Janeiro: CBJE, mai. 2008. (p. 68).
- Panorama Literário Brasileiro 2008/2009 - As melhores poesias de 2008. 1 ed. Rio de Janeiro: CBJE / Br letras, dez. 2008. (p. 92).

O POETA E A POESIA*

Mário Moura - Educador e Poeta.

Por que amo a poesia?
Porque sou um poeta!
O que um poeta ama?
A imaginação!
A beleza!

Amo a poesia porque ela
É bela e imaginativa.
Quando adentro em sua alma
Tudo é tão cheio de vida...

O que mais um poeta ama?
A verdade!
A poesia não pode ser perfeita
Sem a verdade!

*Publicada em Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos. 45 volume. 1 ed. Rio de Janeiro: CBJE, ago. 2008 (p. 66).