quarta-feira, 23 de junho de 2010

AMAR É...

Mário Moura - Educador e Poeta.

Amar é
ter paciência
conhecer, envolver
Amar é sapiência.

Amar é
ser sereno
prestativo, emotivo
Amar é ser moreno.

Amar é ser
o grão prometido
e a terra cuidada
Amar é o fruto colhido.

Amar é
não ter consigo
o aprisionamento
da liberdade do outro
Amar é ser amigo.

O amor
está para a liberdade
quanto a poesia
para o poeta.

O amor...
o amor não tem explicação
mas a melhor resposta
é a que vem do coração.

MEUS OLHOS

         Quisera que meus olhos fossem duros e frios
e que ferissem fundo dentro do coração
e que nada experimentassem dos meus sonhos vázios,
         fossem esperança ou ilusão.

         Indecifráveis sempre a todos os profanos
do fundo e suave azul da tranquila safira,
         ou a alegria do viver.

         No entanto estes meus olhos são cândidos e tristes,
não como eu os desejos nem como devem ser.
         É que estes olhos meus é o coração que o veste
                   e seu desgosto fá-los ver.

Autoria: Pablo Neruda

DA MINHA VIDA DE ESTUDANTE

I
Tomar o desjejum, sair correndo
repassando na mente a lição que se vai dar,
depois ouvir a prosa dos outros percebendo
umas secretas ânsias de chorar e chorar...

Ao ver que todos riem clara e sinceramente
(é algum chiste sem graça que a todos faz rir)
inclinar a cabeça, sentir-se ardentemente
uns malucos desejos de afastar-se e fugir...

Esforçar-se na classe por escutar atento
fazendo com que fujam todos os pensamentos
que fastidiosamente sentimos esvoaçar...

E sentir que se passam os dias e os dias
com o prometimento tarde sentiremos chegar

II
Adorar a cabeça desconhecida de uma
mulher que em nossa vida não poderemos ver,
pressentir toda alvura de umas mãos de lua
e a límpida legenda de uma voz de mulher...

Carregam dentro da alma doces pressentimentos
(que traiçoeiramente os sentimos ferver)
baixar o olhar e estrelar o contentamento
com a retina imensa de precisar viver.

Um apaziguamento. Uma breve energia.
Depois a raiva imensa daquela rebeldia
que nos outros sabemos dominar e vencer.

Mas o pressentimento! A infinita amargura
de sonhar os prazeres de suprema doçura
que nunca em nossa vida conseguiremos Ter!

Autoria: Pablo Neruda

A DISPUTA ENTRE A METAFORIZAÇÃO, O CONHECIMENTO E O EDUCADOR

Onde há conhecimento
Há sempre interrogação
A certeza não existe
Se existe eis a questão
É aí que surge mesmo
A metaforização.

Tudo está certo e errado
Vejamos: a alegria
Quem disse que ela
Não poderia ser agonia
E 6 horas da manhã
Poderia ser dez do dia?

Toda rotação do tempo
Fiel a aprendizagem
Onde o incerto é provável
A partir da tecelagem
Da precisão social
Sábia e sem defasagem.

Daí certas garantias
Não temos para afirmar
Que os educandos aprendem
No seu período escolar
Nem se somos competentes
Na arte de ensinar.

Às vezes o professor
Se sente até culpado
Quando ver ao fim do ano
Um aluno seu tapado
Entretanto ele ensinou
Mas não foi assimilado.

Como o ensino ainda
No professor é centrado
Pode ser que ele seja
Para um grupo habilitado
No entanto para outros
Profissional inadequado.

Toda pessoa no mundo
Que seja ou não competente
Contribui num ideário
Pouco ou decisivamente
Pois ninguém recebe ideias
Apenas passivamente.

Se creio que uma coisa
É boa e muito legal
Essa crença deve ser
Defendida por total
E não a partir de uma
Fantasia pessoal.

Da natureza a gente
Pouco pode conhecer
Porque ela foi criada
E tem sua razão de ser
Enquanto só conhecemos
O que sabemos fazer.

Temos que tomar cuidado
Porque às vezes pecamos
Procuramos a solução
Dum problema que enfrentamos
Vendo a causa e o efeito
A partir de onde estamos.

A política e a ética
Se contradizem a ciência
A reprodução social
Se faz com eficiência
Na escola, no trabalho
Na falta de consciência.

Quem nega a realidade
O fazer nega-se logo
O que conhecemos
Já disse o sociólogo
Só existe na educação
Para todos em seu Logos!

VERSIFICAÇÃO: 12 estrofes em setilhas.

Autoria Mário Moura / Varneci Santos.

sábado, 19 de junho de 2010

EM MIM

Mário Moura - Educador e Poeta.

Mãos
que te tocam
que se tocam
se tocando
se acariciando
se enlaçando
construindo teias.

Olhos
que se encontram
que se encantam
se trocando
se descobrindo
no mistério
do segredo.

É aí que me encontro em mim
estando em você.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

A saudade do servo na velha diplomacia brasileira - Leonardo Boff*

Reproduzo artigo de Leonardo Boff, publicado no Adital

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=48170

O filósofo F. Hegel em sua Fenomenologia do Espírito analisou detalhadamente a dialética do senhor e do servo. O senhor se torna tanto mais senhor quanto mais o servo internaliza em si o senhor, o que aprofunda ainda mais seu estado de servo. A mesma dialética identificou Paulo Freire na relação oprimido-opressor em sua clássica obra Pedagogia do oprimido. "Com humor comentou Frei Betto: "em cada cabeça de oprimido há uma placa virtual que diz: hospedaria de opressor". Quer dizer, o oprimido hospeda em si o opressor e é exatamente isso que o faz oprimido". A libertação se realiza quando o oprimido extrojeta o opressor e ai começa então uma nova história na qual não haverá mais oprimido e opressor, mas o cidadão livre.

Escrevo isso a propósito de nossa imprensa comercial, os grandes jornais do Rio, de São Paulo e de Porto Alegre, com referência à política externa do governo Lula no seu afã de mediar junto com o governo turco um acordo pacífico com o Irã a respeito do enriquecimento de urânio para fins não militares. Ler as opiniões emitidas por estes jornais, seja em editoriais seja por seus articulistas, alguns deles, embaixadores da velha guarda, reféns do tempo da guerra-fria, na lógica de amigo-inimigo é simplesmente estarrecedor. O Globo fala em "suicídio diplomático" (24/05) para referir apenas um título até suave. Bem que poderiam colocar como sub-cabeçalho de seus jornais: "Sucursal do Império", pois sua voz é mais eco da voz do senhor imperial do que a voz do jornalismo que objetivamente informa e honestamente opina. Outros, como o Jornal do Brasil, têm seguido uma linha de objetividade, fornecendo os dados principais para os leitores fazerem sua apreciação.

As opiniões revelam pessoas que têm saudades deste senhor imperial internalizado, de quem se comportam como súcubos. Não admitem que o Brasil de Lula ganhe relevância mundial e se transforme num ator político importante como o repetiu, há pouco, no Brasil, o Secretário Geral da ONU, Ban-Ki-moon. Querem vê-lo no lugar que lhe cabe: na periferia colonial, alinhado ao patrão imperial, qual cão amestrado e vira-lata. Posso imaginar o quanto os donos desses jornais sofrem ao ter que aceitar que o Brasil nunca poderá ser o que gostariam que fosse: um Estado-agregado como é Hawai e Porto-Rico. Como não há jeito, a maneira então de atender à voz do senhor internalizado, é difamar, ridicularizar e desqualificar, de forma até antipatriótica, a iniciativa e a pessoa do Presidente. Este notoriamente é reconhecido, mundo afora, como excepcional interlocutor, com grande habilidade nas negociações e dotado de singular força de convencimento.

O povo brasileiro abomina a subserviência aos poderosos e aprecia, às vezes ingenuamente, os estrangeiros e os outros povos. Sente-se orgulhoso de seu Presidente. Ele é um deles, um sobrevivente da grande tribulação, que as elites, tidas por Darcy Ribeiro como das mais reacionárias do mundo, nunca o aceitaram porque pensam que seu lugar não é na Presidência mas na fábrica produzindo para elas. Mas a história quis que fosse Presidente e que comparecesse como um personagem de grande carisma, unindo em sua pessoa ternura para com os humildes e vigor com o qual sustenta suas posições.

O que estamos assistindo é a contraposição de dois paradigmas de fazer diplomacia: uma velha, imperial, intimidatória, do uso da truculência ideológica, econômica e eventualmente militar, diplomacia inimiga da paz e da vida, que nunca trouxe resultados duradouros. E outra, do século XXI, que se dá conta de que vivemos numa fase nova da história, a história coletiva dos povos que se obrigam a conviver harmoniosamente num pequeno planeta, escasso de recursos e semi-devastado. Para esta nova situação impõe-se a diplomacia do diálogo incansável, da negociação do ganha-ganha, dos acertos para além das diferenças. Lula entendeu esta fase planetária. Fez-se protagonista do novo, daquela estratégia que pode efetivamente evitar a maior praga que jamais existiu: a guerra que só destrói e mata. Agora, ou seguiremos esta nova diplomacia, ou nos entredevoraremos. Ou Hillary ou Lula.

A nossa imprensa comercial é obtusa face a essa nova emergência da história. Por isso abomina a diplomacia de Lula.

[Leonardo Boff, junto com Mark Hathaway, escreveu o livro The Tao of Liberation. Exploring the Ecology of Transformation, N.Y. 2009].

*Teólogo, filosófo e escritor