sábado, 20 de novembro de 2021

EI, ZUMBI ME FAZ REENCONTRAR COM SUA NEGRITUDE EM MIM! (revisado e atualizado)

 

Em 2009 escrevi este artigo exatamente trazendo algumas ponderações em relação ao Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Hoje compartilho com vocês este texto revisado e atualizado, porém com a mesma força, ternura e militância de 11 anos atrás.

Paz e Bem,

MM


A população negra em nosso país tem como referência principal A LUTA DO QUILOMBO DOS PALMARES pela construção de uma sociedade alicerçada na ética, na justiça, na liberdade, uma sociedade mais humana. Desde o início de nossa história os negros são tratados com inferioridade, sem direitos e relegados a uma vida indigna e desumana. Ainda hoje, os povos negros têm dificuldade em mostrar o seu valor, de serem sujeitos históricos de suas realidades na arte, na cultura, na mídia, na política... na sociedade. Apesar da discriminação, da exclusão – indiferença – existem expressões fortes da cultura afro, que resistem e persistem, no seio das manifestações sociais do Brasil.


SOU NEGRO, SOU LINDO, SOU CIDADÃO

“Ei, Zumbi, Zumbi Ganga meu rei, você não morreu, você está em mim!” Este canto de esperança é um grito, um clamor a Zumbi dos Palmares, herói não apenas dos negros, mas de todo o povo brasileiro. E por quê? A LIBERDADE é o grito do Quilombo dos Palmares, é a autenticidade da luta negra, dos negros escravos da senzala... IGUALDADE é o brado forte dos tambores, atabaques e batuques, cantada e esperançada no sangue derramado, na ternura e resistência pela humanidade negra.

Zumbi e todos que se inquietaram e se inquietam; não se calaram, não se calam; não se omitiram, não se omitem; que acreditaram e acreditam; que doaram e doam suas vidas, na luta pela liberdade e igualdade são os atores que fazem a gente, o Brasil a se reencontrar com a nossa identidade negra.

Apesar de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE em 2019, indicarem que 56,10% (1) da população brasileira é negra, o Brasil ainda está longe de assegurar direitos iguais a todos os seus cidadãos, pois esta superioridade nos números, no entanto, ainda não se reflete na sociedade brasileira. Não há a chamada democracia racial que segundo Gilberto Freyre, a miscigenação entre brancos, negros e índios fora a maneira encontrada pelo país para viabilizar a convivência pacífica e harmoniosa entre as diferentes raças. O mito da democracia racial esconde nos “porões da história”, os processos de exclusão e de marginalização dos negros na sociedade brasileira.

Podemos destacar a sub-representação da população negra no poder do Estado nas suas várias esferas e as desigualdades sócio raciais. A dimensão política da desigualdade racial está estreitamente ligada e exclusão da população negra dos espaços de poder e consequentemente das decisões sobre o destino dos esforços e bens coletivos.

Com relação às posições de poder no âmbito da justiça, por exemplo, dados do Conselho Nacional de Justiça, mostram que havia 14,2% magistrados pardos e 1,4% magistrados pretos em 2013 – último ano com informações disponíveis. A imensa maioria dos magistrados são brancos (83,8%). Nos Tribunais Superiores – Superior Tribunal de Justiça (STJ), Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal Superior do Trabalho (TST), Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Superior Tribunal Militar (STM) – os números são ainda menores: 1,3% se declaram pretos e 7,6%, pardos. Em toda a história, apenas três negros ocuparam uma cadeira no STF: os ministros Joaquim Barbosa, indicado em 2003 pelo ex-presidente Lula, Hermegenildo de Barros, nomeado em 1919 e aposentado em 1937, e Pedro Lessa, ministro entre 1907 e 1921 (2).

Na esfera estatal “é visível que os negros não conseguem fazer prevalecer suas necessidades em muitas políticas públicas, pois estão sub-representados em todas as posições de poder” (3).

Na economia e no mercado de trabalho é evidente a exclusão dos negros. Segundo o Pnad de 2003 (4), em torno de 46% da População Economicamente Ativa (PEA) e 48% dos que atuam por conta própria eram profissionais negros, porém emergem desigualdades na representação proporcional com relação a atividade produtiva, pois os negros estão “sobre-representados nos nichos de mercado menos valorizados, como construção civil, comércio ambulante e setor de serviços, que envolvem trabalhos manuais e pesados. No comércio não-ambulante entre as profissões liberais e no ramo de serviços auxiliares de atividades econômicas, que agregam trabalhos e ocupações mais valorizados pela sociedade, estão sub-representados, independente da região” (5). Os negros também são os que mais sofrem com a informalidade, que vem crescendo no Brasil nos últimos anos. Em 2018, 47,3% das pessoas ocupadas pretas ou pardas estavam em trabalhos informais, segundo o estudo do IBGE. Entre os brancos, o percentual de pessoas em ocupações informais era menor: 34,6%.

No que tange a presença das pessoas negras nos cargos de Conselho de Administração, de direção e gerência das 500 maiores empresas do país, em 2016 (6) no nível mais elevado das hierarquias (Conselho de Administração) dessas companhias apenas 4,9% dos funcionários era negro. Nos quadros executivos, cargos de gerência, supervisão e todo quadro funcional 4,7%, 6,3%; 25,9% e 35,7% respectivamente.

Nesse sentido, quanto mais se avança rumo ao topo das hierarquias de poder, mais a sociedade brasileira se torna branca, este em todos os espaços decisivos para a formação e manutenção de poder. Portanto, esta realidade se configura em uma situação de pobreza política desse grupo, o que contribui na persistente desigualdade racial no desenvolvimento humano brasileiro.

Na sociedade brasileira, a ausência de políticas públicas e sociais direcionadas aos descendentes de escravos e escravas contribuiu para deixá-los na pobreza. “Pobreza não apenas de renda, mas pobreza humana (...) a pobreza humana não enfoca o que as pessoas possuem ou deixam de possuir, mas o que elas podem ou não fazer. É a privação das capacidades mais essenciais da vida, incluindo desfrutar de uma vida longa e saudável, ter acesso ao conhecimento, ter recursos econômicos adequados para uma vida digna e poder participar da vida comunitária, defendendo seus interesses” (7).

A diferença entre o desenvolvimento humano da população branca e o da população negra do Brasil está ligada, sobretudo à renda: Segundo o IBGE, o rendimento médio domiciliar per capita de pretos e pardos era de R$ 934 em 2018. No mesmo ano, os brancos ganhavam, em média, R$ 1.846 – quase o dobro. Entre os 10% da população brasileira que têm os maiores rendimentos do país, só 27,7% são negros.

Em 10 anos – de 2007 a 2017 -, o Brasil se tornou um país com mais potencial de morte para negros do que para não-negros. A taxa de homicídios de negros cresceu 33,1% no período, enquanto a de brancos aumentou 3,3%. Ou seja, os negros são os que mais morrem e também são a população em que a taxa de mortes violentas mais cresce. Entre todos os estados, o Rio Grande do Norte é o mais violento para os negros. Em 2017, a taxa de homicídios de pretos ou pardos foi de 87 a cada 100 mil habitantes. O índice, o mais alto do país, é superior ao dobro da média nacional – 43,1 negros mortos a cada 100 mil habitantes. Negros também são maioria entre os que morrem em decorrência de ações de agentes de segurança do Estado. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, 74,5% das pessoas assassinadas em intervenção policial são pretas ou pardas. As mulheres negras são vítimas mais recorrentes de homicídios. Segundo o Atlas da Violência, a taxa de assassinatos dessas mulheres cresceu 29,9% de 2007 a 2017. No mesmo período, o índice de homicídio de mulheres não-negras cresceu 4,5%. “Altas taxas de homicídios trazem não só sofrimento físico e psicológico, como também impactos sociais e econômicos. Elas resultam em falta de confiança nas instituições, requerem a administração de um extenso sistema de justiça criminal, ampliam os gastos com saúde e implicam em perda de produtividade econômica, em especial quando essas taxas atingem com mais intensidade a população jovem [...]” (8).

Em 1888, os negros foram libertados da escravidão. Libertados? Deixaram de ser escravos dos senhores de engenho, mas se tornaram filhos rebentos da nação sem nenhuma política social, indenizações que permitisse o mínimo de integração, direitos sociais: foram jogados à rua, nas favelas, nos bolsões de miséria, sem casa, saúde, trabalho, educação... os negros são maioria nos presídios e nas favelas, são a maioria dos analfabetos e recebem os menores salários. O Brasil tem um legado: resolver o seu passado! Daí a importância de políticas e ações afirmativas.

O debate sobre a temática racial no Brasil deve ser realizado amplamente e apesar do abismo existente entre negros e brancos temos conquistas, principalmente no campo das políticas de identidade e de reconhecimento. O estabelecimento do 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra e o reconhecimento de Zumbi dos Palmares como herói nacional são um exemplo. Há também a Lei nº 10.639/2003, que inclui, no currículo escolar, o ensino da história afro-brasileira, bem como a valorização da estética e da cultura negra.

Apesar de alguns revesses a partir de 2016, com o golpe promovido contra a Presidenta Dilma Rousseff em um processo de impeachment bastante controverso e questionável e, a eleição de Jair Bolsonaro que adota uma agenda totalmente anti afirmativa, nos últimos anos, ampliou-se o diálogo com o Estado na luta por direitos, incluindo na agenda nacional o reconhecimento e o combate as profundas desigualdades sociais entre negros e brancos.

Promover uma agenda com políticas e ações afirmativas não é fácil, os desafios são grandes: particularmente incentivar à participação de mulheres negras para ampliar suas presenças nos espaços hierárquicos das empresas, nos poderes executivos, legislativos e judiciário e de políticas de igualdades de oportunidades; aglomerar um maior número de ativistas que provenham das classes populares e que se reconheçam como negros e, participação nos espaços de decisão. Outro ponto a ser mantido é a questão das cotas nas universidades e nos concursos públicos, bem como, na iniciativa privada, e consequentemente a construção de uma agenda que privilegie a luta a favor dos direitos humanos e contra a pobreza, a violência e o racismo no Brasil.

Zumbi, liderando o Quilombo dos Palmares, foi um herói negro das Américas. Palmares é a chama, é o sonho, é a esperança apagada na História dos livros, mas arde em nossos peitos, corações, sentimentos, ideais e almas no nosso caminhar. O 20 de novembro é o nosso símbolo de liberdade, o sonho que deve ser buscado até que o Brasil reconheça de fato todos os brasileiros.

“Ei, Zumbi, nessa terra fértil, outros como você também tombaram ao chão (...) e muitos tombarão, enquanto houver luta pela libertação”.

NOTAS:

(1) Fonte: IBGE, PnadContínua, 2019.
(2) Fonte: Instituto Ethos, 2016.
(3) Relatório de Desenvolvimento Humano – Brasil 2005: racismo, pobreza e violência. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
(4) Fonte: Instituto Ethos, 2006.
(5) Relatório de Desenvolvimento Humano – Brasil 2005: racismo, pobreza e violência. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
(6) Fonte: Instituto Ethos, 2016.
(7) Relatório de Desenvolvimento Humano – Brasil 2005: racismo, pobreza e violência. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
(8) Fonte: IBGE, PnadContínua, 2019.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Relatório de Desenvolvimento Humano – Brasil 2005: racismo, pobreza e violência. PNUD: Brasília-DF, 2005.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. 50 ed. Global: São Paulo, 2006.

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